Bom dia amigos do Sertanejo Oficial, para aqueles que ainda não me conhecem, eu sou o Marcus Bernardes, redator e proprietário do Blognejo. Depois da excelente repercussão da minha primeira matéria aqui no site (“Nem Cristiano Ronaldo e nem Michel Teló), nessa semana eu volto para falar de um outro assunto bastante comentado nos bastidores do sertanejo e, na minha opinião, de grande valia para todos que gostam do gênero. Vamos falar sobre o Sertanejo Bruto, um subgênero do sertanejo que vem se destacando no cenário musical atual e alcançando cada vez mais novos admiradores.
O Sertanejo Bruto é a bola da vez
Enquanto os sertanejos goianos focam suas atenções no nordeste, as regiões que mais tradicionalmente consomem a música sertaneja abrem os braços para uma vertente não tão nova assim, mas que até pouco tempo atrás não tinha um espaço tão considerável: o sertanejo bruto.
Apesar de ser meio complicado definir exatamente o que ele significa, o “bruto” seria um subsegmento caracterizado pela voz grave, o romantismo numa pegada moderna mas “sem frescuras”, às vezes com uma dose sutil de machismo (influenciado pelos antigos pagodes de viola), alternado com canções agitadas num formato mais tradicional e, na maioria dos casos, com a presença marcante da viola caipira. Incrível a quantidade de novos artistas que aparecem todos os dias seguindo essa linha e como a aceitação do público tem sido boa.
O começo
Diz a lenda que essa história toda começou em um nível nacional ainda com a dupla João Carreiro e Capataz. Antes de se separarem e darem origem a dois projetos diferentes, João Carreiro (solo) e Carreiro e Capataz, a dupla já estava praticando cachês acima dos R$ 100 mil, o que os colocava no patamar de grandes atrações em qualquer grande festa. Não é preciso lembrar o quanto a dupla era querida do público. Com músicas que iam do romântico ao escrachado, mas sempre valorizando ao máximo a viola, eles acabaram se consolidando junto a uma fatia do público que até então era carente de boas duplas modernas que faziam questão de manter acesa a chama da viola caipira, mesmo em canções novas (o que não era tão comum).
O fim da dupla em um momento de tanta evidência deixou órfã essa parcela do público, que ainda não abraçou com o mesmo empenho os novos projetos de ambos (João Carreiro ainda nem começou a fazer shows para que isso pudesse ser medido e Carreiro e Capataz, mesmo com uma agenda consistente, estão numa fase de definição da própria identidade através de músicas próprias, para tentar dirimir de vez as características deixadas pela formação anterior). Mas não por muito tempo. Coincidência ou não, foi justamente nessa época que uma dupla que já tinha uma grande aceitação no interior do Brasil, mesmo fora do circuito competitivo dos grandes artistas da época, ganhou espaço nacionalmente. Jads e Jadson haviam acabado de ingressar em um grande escritório nacional que ainda se valia da moral de ter estourado um artista internacionalmente. E isso tudo com um hit no topo das paradas.
Assim como João Carreiro e Capataz, Jads e Jadson fazem parte de um rol de duplas que já circulava com tranquilidade em um circuito paralelo de shows. Com estrutura própria, mesmo antes de fazerem sucesso com o hit “Jeito Carinhoso”, Jads e Jadson já cantavam em cidades menores, já eram queridos por uma parte do público mais tradicional e já levavam uma vida tranquila, com uma carreira estável. Na mesma turma, da qual também fizeram parte João Carreiro e Capataz (antes de começarem a frequentar as festas maiores), também estavam Brenno Reis e Marco Viola, Luiz Goiano e Girsel da Viola, Batô e Fernando, João Lucas e Walter Filho e algumas outras duplas, todas com as mesmas características básicas: a valorização da tradição mas com um pé na modernidade. Os que abraçaram a modernidade primeiro com um pouco mais de ousadia foram justamente os que primeiro se destacaram desta turma.
A disseminação
O sucesso em nível nacional alcançado por Jads e Jadson abriu a porteira para uma nova geração de duplas que já bebia da mesma fonte e que tinha estes artistas citados como principais influências. A grande vantagem desses caras é a baixíssima rejeição do público. É evidente que esse subgênero do sertanejo tem como raiz a música caipira tradicional e os pagodes de viola dos velhos tempos, principalmente os do grande Tião Carreiro. E convenhamos que, mesmo sendo o Tião Carreiro um dos grandes ídolos da história do gênero, fazia tempo que não víamos uma turma de artistas que abraçava tão claramente a sua influência conquistando um espaço tão considerável.
A disseminação do subgênero bruto, no entanto, ocasionou também uma divisão do mesmo em ainda mais vertentes. A viola passou a não ser mais um instrumento obrigatório das duplas e artistas dessa linha. Artistas solo também começaram a ganhar espaço entre os outros membros. O romantismo também deixou de ser um requisito. Alguns artistas dessa praia até começaram a flertar com letras mais “descartáveis” e com músicas mais momentâneas. A quantidade de requisitos necessários para ser considerado “bruto” diminuiu. Agora, bastava o timbre vocal puxado para o grave (ou com uma pegada “country”), a vestimenta tradicional (chapéu, bota e fivela) e as letras tipo “machão”.
Novos Brutos
Loubet foi o primeiro “bruto” a despontar como artista solo. Ele não tinha a viola caipira entre as características principais de sua musicalidade e seu timbre não era tão grave como o dos outros cantores “brutos”, mas a pegada country da voz e o estilo das letras (românticas e diretas) o credenciavam como membro dessa vertente.
As maiores apostas da atualidade também são defensores desta linha bruta. Bruno e Barretto vêm se destacando com o hit “Farra, Pinga e Foguete” e fazem questão de deixar claro nas letras das músicas que são, sim, brutos, como na música “Bruto e Carinhoso”. É que a escolha de repertório passa por momentos mais “debochados”, como visto na própria “Farra, Pinga e Foguete”, o que nem sempre agrada a exigente parcela do público que vem defendendo essa vertente do sertanejo. Bruno e Barretto figuram nesse limite entre o “bruto” e o “não-bruto”. Se a ousadia nas músicas for além disso, é provável que não se encaixem mais no gênero “bruto”, o que não é necessariamente ruim. Mais abaixo, explico o por quê.
Entre os que ainda prezam por manter a viola caipira como elemento indispensável da identidade musical, uma das apostas mais interessantes da atualidade é a dupla Lucas Reis e Thácio. Os dois são violeiros natos e virtuosos, o que já chamou a atenção de diversos artistas e da parcela do público que gosta de algo mais tradicional. O próximo DVD da dupla, que será gravado no dia 14, traz entre as participações especiais João Carreiro, Jads e Jadson & Munhoz e Mariano.
Também como artista solo, Manutti é outra aposta sólida atual. Seu jeito de cantar é o mais bruto possível, o que até causa um certo estranhamento no começo. Mesmo assim, ele também é um dos artistas que mais vem se beneficiando da aceitação do sertanejo “bruto” junto ao público.
Outros nomes interessantes também vem conquistando espaço em suas respectivas regiões e já contam com equipes competentes, alguns em escritórios de nível nacional, para fazer a carreira decolar. Entre eles, é possível citar João Marcos e Fernando, Antony e Gabriel & Augusto e Atílio. Sem falar de Luis Goiano e Fernando, aposta do Loubet que reúne dois membros de duplas que ajudaram a moldas as características do gênero.
Update:
Algumas pessoas me alertaram via Facebook sobre uma dupla importantíssima e excelente dessa nova safra e que eu acabei esquecendo de incluir aqui neste tópico. Mayck e Lyan, os meninos que despontaram no Raul Gil e continuam evidenciando a viola com uma linguagem cada vez mais moderna. Perdoem o esquecimento.
Brutos?
Conforme eu mencionei um pouco mais acima, quando a ousadia nas letras e nas apresentações foge um pouco do costumeiro e do tradicional, mesmo a dupla reunindo diversas características que fariam dela uma integrante do subgênero “bruto”, é natural que ela não seja considerada como tal. Entre os casos mais evidentes estão Munhoz e Mariano, Pedro Paulo e Alex e Fiduma e Jeca.
As três duplas beberam, no começo da carreira, da mesma fonte que todos os artistas citados acima. Até hoje, ambas dizem ter sido influenciadas pelos artistas citados como precursores da fase “bruta”. A diferença de Munhoz e Mariano, Pedro Paulo e Alex & Fiduma e Jeca para as demais, no entanto, são as escolhas feitas neste começo de carreira. Ao optarem por seguir uma linha mais ousada, valorizando a dança ou com letras mais despreocupadas com certas regras, tanto Frango e Toiço quanto PPA e Pedro e Marcelo ampliaram o público com o qual trabalhariam.
Se eles tivessem optado por permanecer numa linha mais tradicional, seguindo à risca as influências dos precursores, talvez eles não alcançassem tamanha repercussão em suas respectivas carreiras. Afinal de contas, o público “bruto” é tradicional, exigente e um tantinho preconceituoso. Tanto que até hoje as três duplas ainda são bastante criticadas pelos mais conservadores.
A principal barreira
A principal dificuldade dos brutos, no entanto, é atingir um público extremamente bairrista e que tem um gosto previamente definido: o goianiense. Até hoje, nenhuma grande dupla ou artista solo dessa vertente conseguiu chegar a um patamar de alto nível junto ao público de Goiânia. Basta observar a grade das grandes festas de lá pra notar a quase total ausência de nomes de artistas do sertanejo “bruto”.
Recentemente, Jads e Jadson participaram do Festeja, mas não dá pra levar este caso em consideração, já que Henrique e Juliano foram considerados a grande atração da festa, até mesmo nas peças de divulgação. A cidade inclusive não conta com quase nenhum artista desse subgênero. Corrijam-me se eu estiver errado, mas dos “brutos” que costumam tocar nas casas de lá, dá pra citar apenas Rafael e Rondinelli, e olhe lá.
O problema de não conquistar o público goiano é não ter o reconhecimento do maior berço da música sertaneja dos últimos 25 anos e, por isso, passar despercebido por boa parte dos formadores de opinião da música sertaneja. Essa falta de reconhecimento não reflete na agenda de shows e nem sequer no possível sucesso em nível nacional, mas que é chato é. Fora que o goianiense tem muito daquela coisa de achar que se não está estourado por lá não está estourado de fato. Quando outras cidades dizem isso, é de dar gargalhada, mas quando acontece em Goiânia fica sempre uma pulguinha atrás da orelha.
Estranhamente, o que acontece em Goiânia não se repete no interior do estado de Goiás. Repetindo o feito de outras regiões do Brasil, Jads e Jadson bateram recordes em algumas feiras de lá. Principalmente naquelas cidades situadas mais próximas ao estado do Mato Grosso.
O atual momento
O crescimento do subgênero “bruto” começou enfim a chamar a atenção dos grandes escritórios. A parceria com um escritório de renome foi um dos fatores que possibilitou à dupla Jads e Jadson chegar onde chegou, numa parceria que foi ótima para ambos os lados, tanto para Jads e Jadson quanto para a Brothers. Por isso, é natural que outros escritórios nacionais também voltem suas atenções para esta vertente.
A FS Produções anunciou há alguns meses a parceria com o Loubet e o primeiro projeto no novo escritório já começou a ser montado. Na Dut’s, que conseguiu colocar Henrique e Diego no topo das paradas, a aposta é na dupla Brenno Reis e Marco Viola, uma das mais queridas do gênero e que com certeza merece o status de dupla nacional, o que deve acontecer graças a essa parceria.
Sem falar de outros precursores dessa vertente. Jads e Jadson se consolidaram entre os grandes em nível nacional por conta da qualidade dos dois últimos projetos. João Carreiro recomeça este mês a fazer shows. Carreiro e Capataz já planejam para breve o primeiro DVD. E por vai.
Na verdade, a enorme quantidade de novos artistas dessa linha que vem surgindo, e com grande sucesso, deve continuar a chamar a atenção dos grandes. Mesmo que Goiânia não demonstre tanto interesse, esse momento de obsessão pelo nordeste que os artistas de lá vêm demonstrando deve continuar a abrir cada vez mais espaço para artistas com uma pegada mais tradicional nos estados mais ao sul.
Aliás, a falta que o público sentia de algo mais tradicional e a rejeição que alguns elementos do novo sertanejo causaram são alguns dos principais fatores que justificam o sucesso do sertanejo “bruto” atualmente. Já que essa galera traz na testa algumas das principais características que andavam sumidas da música sertaneja, pelo menos entre os artistas do mainstream, nada mais natural que eles sejam abraçados pela parcela mais conservadora do público sertanejo, que até pouco tempo atrás só fazia reclamar.
Convenhamos que o sertanejo tem muitas fases distintas, mas o tradicional sempre acaba voltando, ainda que por um certo tempo. É tudo um ciclo. Na hora que o público cansa de algo que era novo mas que começou a ficar repetitivo, se apega novamente ao que tinha deixado para trás. Por isso os discos de releituras de grandes sucessos dão tão certo. A vantagem do sertanejo “bruto” é essa. Mesmo modernos, os artistas dessa linha sempre valorizam elementos tradicionais. E essa língua o público entende bem.
Por: Marcus Bernardes – Blognejo